18 fevereiro 2009

Livin' in America - Obama, o 44º presidente branco

Sei que é um pouco tarde para falar da eleição à presidência de Barack Obama, principalmente porque os votos já foram contados e ele até já tomou posse, mas há algo que me inquieta, desde que todo este furor começou e Obama despontou como o favorito à Casa Branca.

Dois eventos em particular despertaram minha desconfiança sobre esta eleição; dois eventos frívolos, corriqueiros, mas que me revelaram uma nova perspectiva sobre como os americanos brancos viam Obama.

Havia três cachorros na rua: um preto, um marronzinho (quase bege-claro) e um branco. Alguns mendigos passaram e apontaram para os cachorros e começaram a nomeá-los. O branco era a Hillary Clinton, o preto era Colin Powell e o bege era, para minha surpresa, Obama.
Minha esposa imediatamente retrucou:
- Não, o Obama é o preto.
Mas os mendigos não aceitaram.
- Não, o Obama é metade branco, o Obama é o cachorro bege.

E o segundo evento foi quando, en passant, escutei, com o rabo de ouvido, a conversa entre uma mulher e um homem, brancos, sobre a eleição. A mulher, aparentemente defendendo seu ponto de vista e justificando seu voto em Obama, disse:
- Sabe o que é estranho? Eu não vejo Obama como um negro, mas apenas como um homem.

Estas duas histórias imediatamente me fizeram recordar do nosso presidente Lula. Toda a imagem que havia sido criada durante a carreira política dele era a do sindicalista, camiseta vermelha, barba desgrenhada e gritos de ordem sobre um palanque improvisado.
Mas esta imagem de político revolucionário-comunista não ganha eleições. Era mais ou menos na época da primeira vez que Lula se candidatou que eu ouvia muito as pessoas comentando:
- Eu não vou votar no Lula, porque senão vou ter que dividir meu apartamento com outras pessoas e eles vão tomar meu segundo carro.
Lula era temido porque trazia à tiracolo o estigma do comunismo. No entanto, bastou ele mudar a imagem, vestir terno e gravata, reduzir o tom de voz e falar pausamente, que a classe média foi conquistada.
Lula foi eleito, e reeleito.

Vejo um grande paralelo, neste sentido, entre Lula e Obama. Ambos disseminavam uma mensagem de esperança, ambos representavam uma mudança significativa no cenário político - o primeiro, um torneiro mecânico, sem muita educação, tornado presidente; o segundo, um negro, num país extremamente preconceituoso, tornado presidente. Ambos dependiam da classe média para se elegerem.

Apesar do apoio dos latinos e dos negros, Obama jamais venceria as eleições se não fosse a adesão da classe média branca norte-americana. Mas a classe média branca norte-americana jamais aceitaria um presidente negro, se a imagem que Obama nos passasse fosse a mesma que boa parte dos negros americanos possui, as calças largas mostrando a cueca, o jaquetão de couro, o boné de aba reta virado pro lado, o inglês de gueto e os ameaçadores gestos de cantor de rap.
Com uma imagem destas, Obama jamais ascenderia na carreira política, pois esta é uma imagem associada ao ódio racial e ao medo.
Para se eleger, Obama precisou acolher e expressar valores brancos norte-americanos, o terno, a boa educação superior, a fala articulada e, principalmente, o foco na recuperação da economia.

Reúna uma combinação de fatores - a catastrófica administração Bush, a crise imobiliária e financeira, um adversário prenunciando uma continuidade nos erros da gestão anterior, e um clima de esperança e mudança - e é fácil compreendermos como o branco americano lançou para os porões do inconsciente seu preconceito e se recusou a dar importância à cor do candidato. Para os americanos brancos, Obama é um deles.

E não é à toa que Obama se esforçou para se afastar do pastor Jeremiah Wright, cujo culto ele frequentou por vários anos, e dos discursos antipatriotas dele, mesmo que este pastor houvesse dito muitas verdades.
Obama se enbranquiçou para conquistar os americanos, mesmo que para os negros ele continuasse sendo o reflexo duma grande conquista social.

Em 1963, Martin Luther King Jr. projetou para a América o seu sonho de igualdade, de que os filhos dele vivessem "numa nação na qual eles não fossem julgados pela cor de suas peles, mas pelo conteúdo de seu caráter".
Em 2008, Barack Hussein Obama empacotou, promoveu e vendeu este sonho; talvez ele não tenha conseguido evitar que os americanos o julgassem pela cor da pele, mas pelo menos ele teve êxito em fazê-los fingir que não julgam.


***

5 comentários:

  1. Suas observações são interessantes. Eu também pensei nisso quando vi os primeiros discursos de Obama, ainda durante a campanha. Você foi além e ancorou a sua opinião nas observações que fez do cotidiano. O resultado é uma bela crônica.

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  2. Vamos torcer para o Obama não esbranquecer como fez o Michael Jackson.

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  3. Bacana. Muito bem escrito.

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  4. Olha, Henry, eu também fiquei e fico com medo de que Obama repita o fenômeno Lula e ninguém melhor do que você que está aí para falar...
    No entanto, acho que a comparação deve parar na excessiva esperança de um milagre. Pelo menos Obama é realmente uma pessoa culta, com boa formação, o que é essencial para o sucesso de um presidente. Resta saber se suas intenções são realmente as que ele diz ter. Se forem, as chances de que ele realmente tenha sucesso (e não estou falando sobre operar um milagre) são boas...

    Neste caso, sem defender o antiético argumento de que "os fins justificam os meios", creio que ter tido êxito em conseguir fazer os americanos fingirem que não o julgam pela cor da pele não foi algo grave assim, não acha?

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  5. Não acredito que a postura do Obama tenha sido grave, Rodrigo, aliás, acho até louvável, pois ele fez de tudo para ser bem-sucedido, contrariando o destino social que provavelmente recairia sobre ele, por ser negro, filho de imigrante e relativamente pobre.

    O grave nesta história é a ilusão de que o preconceito acabou nos EUA e de que qualquer um pode se tornar presidente.
    Isto não é verdade. A presença de Obama no cargo máximo é um evento histórico, com certeza, mas que está calcado justamente em elementos históricos que o permitiram estar lá, numa combinação de fatores e num clima de expectativa coletiva que o conduziu até lá.

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